Regulação definha sob gestão petista
Em menos de uma semana, duas das mais atuantes agências reguladoras do País anunciaram recentemente um corte substancial de funcionários e suspensão de serviços. O primeiro comunicado veio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que demitiu 145 terceirizados e sustou o atendimento pela central telefônica, além das fiscalizações preventivas. Em seguida, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou a interrupção do monitoramento de qualidade dos combustíveis durante todo o mês de julho e reduziu – mais uma vez – o número de municípios de sua pesquisa de preços.
O motivo alegado foi o mesmo: restrições orçamentárias. Longe de ser uma medida pontual, o encolhimento dos serviços das duas agências é apenas o alerta mais recente da política de desmonte que as reguladoras vêm sofrendo nos últimos anos. Reportagem recente do Estadão/Broadcast com base em dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), do Ministério do Planejamento, mostrou que em dez anos as verbas para custeio e novos investimentos de oito das 11 agências foram extraordinariamente comprimidas.
Na comparação com o ano de 2016, o orçamento deste ano registra quedas que variam de 11,7% (ANS, de Saúde) a 64,8% (ANP). Na vigilância sanitária (Anvisa), o corte chegou próximo a 48%, e na aviação civil (Anac), superou 45%. Para piorar, a quantidade de servidores também caiu de forma generalizada, com enxugamentos de 7% (Anac) a 36,5% (Anvisa). Os dados mostram que o desmantelamento começou na gestão de Jair Bolsonaro e se ampliou na de Lula da Silva, dois presidentes cujo desapreço pela regulação de mercado é evidente.
O enfraquecimento das agências, criadas para garantir a qualidade dos serviços públicos e privados de interesse público, deságua, invariavelmente, no consumidor. A suspensão por um mês, no mínimo, da fiscalização de qualidade dos combustíveis deixará a população à mercê de eventuais fraudes e adulterações no abastecimento de gasolina, etanol, diesel e GNV nos postos. Nessas ações, os fiscais verificam fatores além da qualidade, como o fornecimento do volume correto pelas bombas. Em 2023, por exemplo, a ANP constatou a adulteração recorde de 30 milhões de litros de gasolina e etanol com metanol, o suficiente para danificar o motor de mais de 1 milhão de veículos.
Como mostrou o Estadão, a Anac aponta atraso na certificação de aeronaves da Embraer, o que pode encarecer o preço das passagens aéreas. Na Anvisa multiplicam-se as filas para registro de medicamentos. No geral, fiscalizações de rotina estão enfraquecidas, certificações, paralisadas, e exportações, atrasadas. Ligadas a diferentes ministérios, as agências têm arcado com boa parte das consequências nefastas da pressão sobre as despesas do governo. Os recursos destinados a elas podem tanto ser considerados obrigatórios quanto discricionários. Comissões e encargos sociais, por exemplo, são obrigatórios, mas recursos para fiscalização e pesquisa são discricionários.
Autarquias de regime especial, as agências têm autonomia administrativa, financeira e técnica para decidir sobre a aplicação de seus recursos. Mas é uma autonomia relativa e, como demonstram casos recentes, não estão livres da ingerência governamental. Ainda mais quando se trata de uma gestão caracterizada por interferências em aspectos da economia que deveriam estar sujeitos às leis do mercado.
As agências personificam, ainda, a desestatização de empresas públicas. Com monopólios estatais quebrados e setores privatizados, foi preciso criar organismos para assegurar o equilíbrio de interesses entre empresas, consumidores e Estado. Assim surgiram as agências reguladoras, que Lula e o PT demonizam quase tanto quanto a própria privatização. Talvez o único aspecto positivo para um governo habituado à barganha fisiológica seja a disponibilidade de cargos para negociar. Aliás, essa tem sido uma das frentes da batalha entre o Executivo e o Congresso. Os consumidores, claro, ficam em segundo plano.
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