Combustível mais barato pode custar caro
Uma tendência silenciosa, mas devastadora, vem se tornando mais comum nas oficinas mecânicas de Sorocaba: o aumento de problemas de falhas no motor, consumo elevado e perda de desempenho — todos atribuídos, segundo relatos técnicos, a combustível adulterado.
Mecânicos da cidade relatam que isso já faz parte da rotina. “Toda semana, um ou dois carros chegam com falha de ignição, injeção ou motor que parou. Já tivemos carro que chegou aqui com o pistão derretido. A gente guarda esse tipo de peça como prova, porque o consumidor, quando escuta, acha que é exagero. Mas não é”, diz um dos profissionais ouvidos pela reportagem, que preferiu não ser identificado.
A origem dos danos está naquilo que deveria impulsionar o veículo: o combustível. Mas quando adulterado, o que chega ao motor é uma mistura instável, com potencial corrosivo e sem eficiência.
“Às vezes, o carro falha logo depois de abastecer. A gente troca o combustível, limpa o sistema e o problema desaparece. Isso acontece direto. Quando o cliente abastece com etanol adulterado é ainda pior, porque não existe um teste acessível para ele perceber o que colocou no tanque”, explica outro mecânico.
Tolerância menor
Os efeitos da adulteração são potencializados pelos próprios avanços da indústria automotiva. Veículos mais modernos são mais eficientes, mas também mais sensíveis.
“Os motores de hoje trabalham com menor cilindrada, mas com maior torque. Isso significa que tudo funciona mais no limite. Um combustível fora do padrão desequilibra completamente a combustão, prejudica sensores, ignição e até o catalisador. E aí, o custo do conserto dispara”, explica o profissional.
Itens como sonda lambda, catalisador, bobinas e bicos injetores podem facilmente ultrapassar os R$ 2 mil, somando peças, diagnóstico e mão de obra. Um reparo completo no sistema de injeção pode custar o triplo do que se gasta ao encher o tanque do carro.
Jorge Marques, presidente regional do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), confirma que as fraudes mais comuns seguem sendo duas: o uso de etanol anidro em proporção superior à permitida na gasolina (o limite legal era de 27% e passou para 30% desde sexta-feira, 1º de agosto), e a chamada bomba baixa, que entrega menos do que o mostrado no visor.
“Há revendedores que entregam um produto com valor muito inferior ao que o consumidor está pagando. Além da questão técnica, há um prejuízo moral. A bomba baixa é outro problema grave, pois o motorista pensa que está abastecendo com 10 litros, mas leva apenas oito”, aponta.
Segundo ele, a fiscalização é deficitária. “A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis) e outros órgãos enfrentam dificuldades estruturais, orçamentárias. O que vemos é que a capacidade de fiscalização está abaixo da dimensão do problema”.
Autuações
De janeiro a julho de 2025, Sorocaba recebeu 20 ações de fiscalização da ANP — das quais 8 resultaram em autuações. No Estado de São Paulo foram 944 fiscalizações e 462 autos de infração, número que, segundo Marques, representa apenas parte do universo real de irregularidades.
Segundo a ANP, as inspeções são feitas com base em denúncias de consumidores, informações de inteligência e dados do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC). Não há, portanto, uma frequência determinada por região.
Ainda que os autos de infração possam gerar multas entre R$ 5 mil e R$ 5 milhões, além da cassação da autorização do posto, o processo é demorado e muitas vezes ineficaz. “A legislação atual tem brechas. Muitas vezes, quando se descobre a fraude, o posto já trocou de CNPJ ou passou para outra razão social”, relata Marques.
Entre os motoristas, os relatos se acumulam. Antônio dos Santos, marceneiro, lembra da vez em que o carro parou de funcionar poucos dias após abastecer. “O mecânico disse que era o etanol. Estava adulterado. Tive que trocar peças, e isso gerou um custo que eu não esperava.”
Osni Noronha Branco, motorista de aplicativo, também foi vítima. “Percebi o carro falhando, fraco, principalmente pela manhã. Depois que troquei de posto e usei combustível de melhor procedência, o problema sumiu. Desde então, só abasteço em postos com bandeira.”
Ambos reforçam o que mecânicos também defendem: fidelidade a um ou dois postos de confiança pode ser a melhor defesa contra prejuízos ocultos.
Riscos
Apesar das irregularidades relatadas, o presidente regional do Sincopetro defende que a maioria dos postos de combustíveis atua dentro da legalidade. “São empresas familiares, muitas vezes com décadas no setor. É importante que o consumidor saiba diferenciar. Por isso insistimos em informar nossos associados sobre portarias, legislação e boas práticas.”
Ainda assim, ele alerta: o risco é real. “O consumidor precisa desconfiar de preços muito abaixo da média. Não existe mágica no mercado de combustíveis. Se um posto vende por um valor bem inferior, há algo errado, ou na qualidade, ou na quantidade.”
Além de escolher bem onde abastecer, o consumidor pode e deve denunciar irregularidades. A ANP mantém um canal direto, por meio do site da Controladoria-Geral da União, o FalaBR.
João Frizo – programa de estágio
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