O Brasil tem potencial para os carros elétricos, mas precisa enfrentar alguns desafios
Não apenas o preço é um empecilho para a ‘popularização’ desses veículos, como também a infraestrutura de recarga e a reciclagem de bateria, segundo o IEEE
Por: Karin Fuchs
Para os especialistas do Instituto dos Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), os veículos elétricos são apontados como o futuro da sustentabilidade, com o potencial de reduzir a dependência de combustíveis fósseis e minimizar os impactos ambientais. Os desafios são a expansão da infraestrutura de recarga e a busca por soluções eficientes de reciclagem. Confira a entrevista com Edson H. Watanabe, Life Fellow do IEEE e professor do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe/UFRJ.
Balcão Automotivo – Pelo último balanço da Anfavea, desde outubro deste ano houve uma inversão na curva e os veículos 100% elétricos perderam a liderança de vendas entre os eletrificados, dando lugar aos híbridos. Um dos motivos pode ser a falta de infraestrutura de recarga no País?
Edson H. Watanabe – Certamente, a infraestrutura para recarga das baterias é um problema sério. É possível que aqueles que eram “verdes”, tinham condições de comprar o carro e montar uma infraestrutura de recarga tenham diminuído. Talvez outro motivo seja que os custos dos carros elétricos baixaram muito, mas ainda temos carros a combustão interna mais ou muito mais baratos. Temos também muita gente que não é tão “verde”.

BA – Podemos afirmar que a tendência é os híbridos se manterem na liderança?
EW – Nós temos que fazer a transição energética e isso é fundamental para evitar o aquecimento global. Mas como batizamos esse processo como “transição” e ela deve ser completada até 2050, segundo algumas autoridades, começar pelo híbrido, usando etanol, é uma boa solução transitória até chegarmos ao 100% elétrico. No ano de 2023, segundo o ONS, 91% da energia elétrica foi de fonte não geradora de gases de efeito estufa (GEE).
Portanto, usar carro elétrico significa gerar um pouco de GEE que deve estar próximo ao gerado por um carro a etanol híbrido. Mesmo o motor flex sem ser híbrido, mas usando etanol, já chega próximo ao carro 100% elétrico em termos de geração de GEE. Portanto, fazer a transição com carros flex usando etanol, passando pelo híbrido também com etanol até chegarmos ao 100% elétrico parece uma solução bem brasileira e que deve ser explorada para termos uma transição sem grandes saltos e de uma forma mais rápida para um mundo de menor geração de GEE.
BA – Como está a expansão da rede de recarga no País e o que falta para ela ser mais ampliada?
EW – Começando pelos recarregadores domésticos, esses têm potência da ordem de 5 kW. Muitas casas que, por exemplo, têm chuveiro elétrico, já podem instalar um carregador doméstico sem grandes mudanças na infraestrutura. Mas se um percentual alto de casas na quadra instalar esses carregadores, que atua por várias horas, possivelmente, vai ser necessário que a concessionária de energia elétrica reforce a infraestrutura. Isso pode envolver troca de transformadores, cabos, proteção, etc.. Pode ter um alto custo que não é claro se a concessionária teria interesse ou condições de assumir para ganhos futuros. Ou quem bancaria esse custo?
BA – E no caso dos carregadores rápidos?
EW – Neste caso a potência sobe para a casa dos 100 kW e já ouvi falar em custo da ordem de um milhão de reais para cada equipamento de recarga. Ele é capaz de dar uma recarga de 50 kWh em meia hora. O custo dessa energia é pouco mais que R$ 50 (considerando a tarifa residencial), mas quanto seria o valor cobrado pelo posto de recarga considerando o alto investimento e o relativo longo tempo de recarga. Encher um tanque de etanol com equivalente a 50 kWh de energia deve levar menos de 5 minutos. Ou seja, os custos do investimento podem ser divididos por maior número de usuários no caso do etanol.
São várias equações que precisam ser resolvidas para termos mais postos de recarga, principalmente, as de recarga rápida. Também, vamos precisar de pessoas mais pacientes para esperar pelo tempo de recarga, mesmo que seja de 15 minutos (se com etanol leva menos de 5). A vida com carro 100% elétrico não casa bem com pessoas ansiosas.
BA – Existe um projeto de lei que visa recuperar a matéria-prima das baterias, em sua opinião, como deve ser essa reciclagem?
EW – Não tenho conhecimento nessa área. Mas acho que ainda não há uma tecnologia definida para recuperação de matérias-primas de baterias de íon de lítio. Sei que as baterias convencionais usadas em veículos a combustão usam chumbo e estão aí há mais de um século e com muitos estudos para reciclagem. Já no caso do íon de lítio, a tecnologia é recente. Ela entrou no mercado “inventada” para alimentar pequenos eletrônicos. Só passou a ser solução para veículos elétricos recentemente. Acho que ainda temos muito para aprender.
BA – Finalizando, podemos afirmar que o preço do veículo elétrico é um empecilho para a sua “popularização”?
EW – O custo do kWh de energia é da ordem de R$ 1 o que é, em termos de energia, aproximadamente equivalente a um litro de etanol, que custa (no Rio de Janeiro) cerca de R$ 4 a R$ 5. Essa é uma grande vantagem do carro elétrico. Mas o preço do carro é uma parte importante do problema. Creio que a insegurança do sistema de recarga é também muito importante: “vou viajar e será que vou achar pontos de recargas e disponível pelo caminho?”.
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