Pass-through no transporte de gás é retrocesso às custas do consumidor

Pass-through no transporte de gás é retrocesso às custas do consumidor

Em meio ao debate em torno das novas regras para o leilão de reserva de capacidade na forma de potência (LRCAP), as transportadoras de gás natural têm defendido uma proposta que as beneficia, mas representa prejuízo generalizado para todos os consumidores de energia elétrica: o pass-through dos custos do transporte de gás.

As empresas sustentam que esses custos sejam desconsiderados no ranqueamento das propostas do leilão e cobrados apenas posteriormente, com repasse das despesas ao consumidor final, sem análise crítica de sua razoabilidade.

Na prática, o cidadão seria responsável por financiar as transportadoras, que hoje cobram tarifas artificialmente altas, atrasando o desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil.

Para se ter uma ideia, a regulação da ANP estabelece, desde 2014, que uma revisão tarifária dever ser feita a cada 5 anos, de modo a excluir do custo do transporte os ativos já amortizados — que hoje constituem cerca de 80% do total.

Ainda assim, até hoje, apenas uma das três grandes transportadoras realizou esse processo, que já deveria ter reduzido as tarifas em cerca de 40%.

A proposta representa um perigoso retrocesso regulatório no setor de infraestrutura. Em vez de promover eficiência e equilíbrio entre os agentes da cadeia energética, esse modelo transfere o risco econômico das transportadoras diretamente ao consumidor final, em uma lógica distorcida que premia a ineficiência e penaliza o bolso do cidadão.

A legislação atual é clara ao determinar que a remuneração das transportadoras deve se basear na “receita máxima permitida”, e não em uma receita assegurada. Isso significa que as empresas devem ser remuneradas com base na contraprestação efetiva e eficiente do serviço e não pela mera existência de ativos, especialmente quando esses ativos estão há muito tempo amortizados.

Esse modelo, no caso, criaria uma espécie de “garantia de receita” para transportadoras, as quais operam sob um regime de autorização, e não de concessão. O transporte de gás natural no Brasil é um monopólio da União operado por empresas privadas. Não há, no entanto, a obrigação legal ou regulatória de garantir retorno financeiro automático aos operadores.

A proposta de pass-through ignora esse cenário e perpetua um ciclo vicioso de lucro sobre infraestrutura obsoleta.

E a conta, como sempre, é repassada ao consumidor. Seja ao industrial, que precisa de insumos a preços competitivos, seja ao cidadão comum, que paga a energia elétrica cada vez mais cara.

Simulações indicam que o repasse de tarifas de transporte em leilões de reserva de capacidade pode gerar um ônus adicional de até R$ 3,8 bilhões por ano aos consumidores de energia elétrica — praticamente o mesmo valor previsto pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para viabilizar a tarifa social de baixa renda.

Além da injustiça econômica, o modelo proposto distorce a lógica de concorrência de leilões. Ao permitir que empreendimentos ignorem os custos de transporte em suas propostas, cria-se uma falsa competitividade.

A ideia é, na verdade, um mecanismo para socializar prejuízos privados e blindar empresas que, mesmo operando com margens de lucro de até 90%, resistem a revisar suas tarifas ou investir na ampliação da malha. O pass-through, nesse contexto, é um prêmio à inércia.

É importante destacar que a malha de transporte é apenas uma das formas de viabilizar o suprimento de gás ao setor termelétrico — e não necessariamente a mais competitiva.

Atualmente, o Brasil conta com mais termelétricas supridas por soluções fora da malha de transporte do que por usinas a ela conectadas. A última grande termelétrica interligada à malha foi a UTE Baixada Fluminense, inaugurada em 2014.

O setor de infraestrutura, especialmente aquele com impacto direto na competitividade industrial e no custo da energia, exige previsibilidade, transparência e equilíbrio regulatório. O modelo de pass-through institucionaliza a opacidade, desonera as transportadoras e transfere os riscos para os consumidores e para o Estado.

É preciso, urgentemente, abandonar a discussão em torno dessa proposta. A solução não está em repassar custos, mas em revisar as tarifas com base na realidade dos ativos e na eficiência dos serviços prestados.


Aurélio Amaral é diretor de Relações Externas e Comunicação da Eneva e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

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