Norma ABNT é um marco para acessibilidade digital, mas empresas precisam incorporar o tema para além da conformidade

Sou daltônico. Embora não seja grave ou até visto como deficiência, eu poderia contar algumas histórias de minha carreira profissional envolvendo essa questão. Aliás, tema esse que, embora pessoal, é relevante para as outras 18,6 milhões de pessoas, ou 8,9% da população, que vivem com algum tipo de deficiência, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E é justamente por isso que é tão importante falar sobre a ABNT NBR 17225. Mais do que um marco técnico, ela representa um compromisso ético e social com a democratização do acesso digital em todos os âmbitos, seja voltado para informação, entretenimento ou trabalho.
Em fevereiro deste ano, o Brasil deu um passo importante rumo à construção de uma sociedade mais inclusiva com a entrada em vigor da ABNT NBR 17225 – Diretrizes de Acessibilidade na Web. Trata-se da primeira norma brasileira a estabelecer critérios técnicos obrigatórios para garantir que sites, sistemas e plataformas digitais sejam acessíveis a todos, especialmente aqueles com algum tipo de deficiência. Com base nos padrões internacionais do W3C e das Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG), a regulamentação traz 54 requisitos essenciais adaptados à realidade brasileira.
Mas para o setor corporativo, a mudança não pode ser vista apenas como mais uma conformidade. Ela exige uma profunda revisão de processos, tecnologias e culturas organizacionais. Empresas a partir de agora precisam garantir que suas plataformas digitais – desde sites, intranets, sistemas de comunicação interna e ferramentas de gestão de pessoas – sejam funcionais e também plenamente acessíveis a todos os colaboradores.
Na prática, isso envolve assegurar o uso de leitores de tela, permitir navegação por teclado, inserir descrições alternativas em imagens, adotar contrastes adequados, manter uma estrutura informacional clara, empregar linguagem simples e direta, entre outras adaptações. São ajustes técnicos que, à primeira vista, não acarretam grandes mudanças, mas acabam por transformar a experiência de quem acessa e trabalha nesses ambientes. Ou seja, é uma revolução na forma de se comunicar e, principalmente, integrar o colaborador.
É justamente por isso que a acessibilidade digital precisa ser pensada muito além da norma. Ela é pilar para ambientes corporativos verdadeiramente inclusivos. Sistemas de comunicação e gestão interna acessíveis garantem que os profissionais tenham acesso igualitário à informação, às ferramentas e à cultura da empresa em sua plenitude. Isso contribui diretamente para o engajamento, o bem-estar e a produtividade dos times. Além de, claro, assegurar um ambiente em que todos se sintam realmente pertencentes.
Nesse contexto, a pauta da acessibilidade digital se entrelaça com temas centrais de governança corporativa, como ESG e diversidade. Democratização digital significa fortalecer a imagem institucional, mas também atrair talentos diversos, reduzir barreiras estruturais e fomentar um ambiente organizacional mais inovador, humano, e até mais eficiente.
E quem diz isso são os números. Um relatório da Accenture aponta que organizações inclusivas faturam, em média, 28% mais que concorrentes e têm o dobro de chances de superar metas de produtividade. Já um estudo do W3C revela que empresas que investem em acessibilidade digital ampliam em até 30% o alcance de seus produtos e serviços junto ao público. A equação, nesse caso, se torna clara: acessibilidade gera eficiência, humanização e também vantagem competitiva.
A ABNT NBR 17225 chega para inaugurar de vez uma nova era no digital brasileiro, e o setor corporativo não irá se manter à margem. Cabe aos gestores, profissionais de RH, lideranças e times de tecnologia reconhecerem que acessibilidade extrapola o fator da necessidade, pois é um direito. E quando isso é respeitado, todos ganham: pessoas, empresas e sociedade.
Leandro Oliveira, Diretor do Brasil e de EMEA da Humand.
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