Proprietários ameaçam processar designers que fotografam edifícios devolutos | Habitação
A Associação Nacional de Proprietários (ANP) ameaçou avançar para tribunal caso os criadores de um projecto que mapeia os edifícios devolutos em Portugal não apaguem a app, que a associação considera ser ilegal. Os designers e programadores responsáveis pela aplicação Devolutos acreditam que as acusações da ANP não têm base legal e pretendem manter a aplicação activa.
António Frias Marques, presidente da ANP, afirmou ao PÚBLICO que o acto de fotografar propriedades de particulares confere um crime previsto nos Artigos 180.º e 183.º, relativos a difamação e injúria.
“Não é pelo facto de publicitarem estas imagens que passamos a dar casas a quem delas precisa. Não tem nada a ver com isso. Aqui seria apenas um dedo acusador. É uma delação, não sei para quem, porque a PIDE já acabou há 51 anos. É dizer que o dono deste prédio é um malandro. Ninguém tem o direito a fazer isto”, afirmou António Frias Marques.
Ao PÚBLICO, Nelson Vassalo, co-autor da aplicação, confessa-se surpreendido pelas declarações da ANP, já que a “iniciativa é uma demonstração visível de um problema que toda a gente vê na rua”. O designer e activista afirma que “não há invasão de privacidade”.
“Se isso fosse verdade não teríamos Google Maps em Portugal. As casas devolutas não só estão disponíveis na rua para toda a gente ver como estão no Google Maps”, afirmou Nelson Vassalo. “Não invadimos propriedades. Não identificamos proprietários. Não usamos dados pessoais. Só mostramos o que está na rua à vista de todos”, escreveu também o colectivo Devolutos num comunicado a que o PÚBLICO teve acesso.
O que são prédios devolutos?
Outra crítica apontada por António Frias Marques é que nem todos os prédios sem moradores são devolutos: “O prédio é considerado devoluto apenas depois de um processo administrativo que é elaborado pela Câmara Municipal. Lisboa está cheia de edifícios que parece que estão devolutos mas não estão. São processos que já deram entrada na Câmara para construir mais hotéis. De forma que ninguém tem o direito de dizer que está devoluto”. O presidente da ANP relembrou também que quando um prédio é considerado devoluto o proprietário “paga dez vezes mais IMI”.
O Presidente da ANP considera “que não se deve estigmatizar os particulares”, já que “muitas vezes há a tentativa de tentar avançar com projectos à Câmara”, que por sua vez “demoram muito tempo”. “Enquanto não são aprovados, lá está o prédio devoluto.”
Na sequência dessa crítica, Nelson Vassalo afirmou que o mapa da Devolutos “não é uma coisa estática, e que está em constante aperfeiçoamento”. “Se houver algum proprietário que apresente essa justificação acerca de um imóvel que está listado teremos todo o gosto em tirá-lo.”
Para António Frias Marques, a pressão sobre o mercado habitacional não se explica apenas com os imóveis devolutos, mas também com um aumento da imigração: “Há muitos estrangeiros com maior poder de compra — americanos, nórdicos, russos, chineses — que entram no país e conseguem alugar casas rapidamente. Se calhar, o problema é que nós, portugueses, ganhamos pouco e não conseguimos competir.”
Em comunicado, o colectivo escreveu também que “o que incomoda não é o mapa, é a realidade que ele torna visível”. Nelson Vassalo afirmou que o colectivo se mantém “convicto das suas intenções e do campo legal em que actuam”. “Consideramos até um bocado amador a invocação do direito de privacidade numa situação de fotografias de fachadas”, disse.
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